O jovem casal parou diante do jardim e ali ficou, sem palavra ou gesto, apenas olhando. A noite cálida, sem vento. Uma menina loura surgiu na alameda de areia branco-azulada e veio correndo. Ficou a uma certa distância dos forasteiros, observando-os com curiosidade enquanto comia a fatia de bolo que tirou do bolso do avental.
- Vai me dar um pedaço deste bolo? – pediu a jovem estendendo a mão. – Me dá um pedaço, hem, menininha?
- Ela não entende – ele disse.
A jovem levou a mão até a boca.
- Comer, comer! Estou com fome – insistiu na mímica que se acelerou, exasperada. – Quero comer!
- Aqui é a Holanda, querida. Ninguém entende.
A menina foi se afastando de costas. E desatou a correr pelo mesmo caminho por onde viera.
(...)
- Queria um chocolate quente com bolo. O creme, eu enchia uma colher de creme que se espalhava na minha boca, eu abria a boca...
Abriu a boca. Fechou os olhos.
Ele sorriu.
- Estou ouvindo uma música, a gente podia dançar. Se a gente se amasse a gente saía dançando.
Ela levantou as mãos e passou as pontas dos dedos nos cabelos. Na boca.
- E agora? O que acontece quando não se tem mais nada com o amor?
Quase ele levou de novo a mão no bolso para pegar o cigarro, onde fumara o último?
- Quando acaba o amor, sopra o vento e a gente vira outra coisa – respondeu ele.
- Que coisa?
- Sei lá. Não quero é voltar a ser gente, eu teria que conviver com as pessoas e as pessoas... – ele murmurou. – Queria ser um passarinho, vi um dia um passarinho bem de perto e achei que devia ser simples a vida de um passarinho de penas azuis, os olhinhos lustrosos. Acho que eu queria ser aquele passarinho.
- Nunca me teria como companheira, nunca. Gosto de mel, acho que quero ser uma borboleta. É fácil a vida de borboleta?
- É curta.
O vento soprou tão forte que a menina loura teve que parar porque o avental lhe tapou a cara. Segurou o avental, arrumou a fatia de bolo dentro do guardanapo e olhou em redor. Aproximou-se do banco vazio. Procurou os forasteiros por entre as árvores, voltou até o banco e alongou o olhar meio desapontado pela alameda também deserta. Ficou esfregando as solas dos sapatos na areia fina. Guardou o bolo no bolso e agachou-se para ver melhor o passarinho de penas azuis bicando com disciplinada voracidade a borboleta que procurava se esconder debaixo do banco de pedra.
(LFT)
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